2. Dalcroze e as Artes
“Eu espero ansioso por um sistema de educação musical no qual o próprio corpo fará o papel de intermediário entre o som e o pensamento, tornando-se o meio direto para nossos sentimentos…. A criança será então educada na escola não somente a cantar, ouvir atentamente, e marcar o tempo, mas também a mover e pensar cuidadosa e ritmicamente. Pode-se começar regulando os mecanismos do andar e daí prosseguir a aliar movimentos vocais com gestos do corpo todo. Isso se consistiria em educação em ritmo e através do ritmo ao mesmo tempo.” (tradução livre)
(E. J. Dalcroze – “The Place of Ear-training in Musical Education” (1898) – in Rhythm, Music and Education – pages 4 -5)
Ritmica
A Rítmica Dalcroze pode ser definida como um método de ensino musical que usa os movimentos naturais do corpo com origens no trabalho desenvolvido pelo educador musical suíço Emile Jaques-Dalcroze no começo do século 20. Em essência, este método deriva do conceito de que o corpo humano possui todos os ingredientes necessários para se entender o fenômeno musical; os movimentos naturais, como uma reação às atividades auditivas, são a base para o estudo do ritmo e as conexões que ocorrem entre o corpo e a mente podem ajudar a se entender a teoria musical.
Como uma estudante do método Dalcroze, e enquanto participando e observando aulas de Rítmica, eu posso ver claramente os resultados obtidos por esse trabalho. O movimento básico e orgânico de andar, por exemplo, é transformado no conceito de “beat”(pulso, enquanto marcação de tempo). Todos os tópicos musicais podem ser primeiramente executados pelo corpo e então, traduzidos em idéias mais abstratas como pulsação, subdivisões, compassos, frases, padrões rítmicos, etc. Ao final da aula, notação musical também é organicamente apresentada, através do que os professores chamam de “Giz Falante” (“Chalk Talk”), onde o estudante repete o som da música que acabou de “experimentar” no quadro negro, com o uso de um pedaço de giz. Tais marcas vão se tornar cabeças de notas e figuras completas, fazendo com que a experiência toda tome vida.
Em uma aula de Rítmica Dalcroze, tudo começa com um “jogo”, onde todos os sentidos aparecem para “jogar”. Os alunos devem ouvir com muita atenção, ter reações motoras rápidas e mentes alertas, sem necessariamente “pensar demais”.
A parte analítica do processo virá a seu tempo. É um tipo de educação para o ser completo.
A música usada para as atividades pode ser pré-gravada, mas na maioria das vezes o professor está improvisando ao piano, enquanto dá aos alunos a instrução inicial aural. Essa musica improvisada é alterada pelo “feedback” natural dos alunos, com todas as suas nuances, à medida em que o professor observa e recebe idéias novas vindas dos próprios, em uma composição coletiva constante.
Outras áreas de estudo pertencentes ao treinamento em Dalcroze são o Solfejo e a Improvisão.
Solfejo
O Solfejo Dalcrozeano é uma abordagem ao canto e à percepção auditiva que usa escalas de Dó a Dó, a fim de enfatizar a funcionalidade de cada nota da escala. Tal método se utiliza do Dó fixo, onde a nota Dó apresenta uma tendência diferente para cada escala e o estudante é treinado a reconhecer as relações de meio tom característico em uma dada tonalidade.
Improvisação
A Improvisação é uma característica forte no estudo e prática de Dalcroze. Desde o começo, o professor está sempre improvisando para que os alunos possam se mover, seja ao piano ou utilizando outros instrumentos. Quanto ao próprio movimento, não existem regras a serem seguidas mas sim, deixar que a musica conduza o corpo. Conseqüentemente, o aluno é livre para improvisar com movimentos corporais, sentindo o que melhor se adéqua ao estímulo sonoro ouvido. A mesma liberdade de idéias pode ser usada quando se improvisa usando instrumentos de percussão ou batendo palmas, por exemplo.
O estudo da Improvisação é visto como um elemento necessário e um fator contribuinte para a musicalidade como um todo e está também inter-relacionado com os outros estudos de percepção auditiva e movimentos corporais. (Spector , I – Rhythm and Life, The work of Emile Jaques-Dalcroze)
As origens da Rítmica Dalcroze de educação musical são atribuídas ao fato de que Dalcroze “se tornou frustado com a falta de conexões musicais seus alunos de harmonia apresentavam em seus trabalhos. Muitos eram incapazes de ouvir o que tinha escrito e viam o estudo de harmonia como algo puramente matemático e intelectual” (Tucker, M – handout 2003, tradução livre). Cem anos depois e as mesmas reclamações são relatadas em diferentes partes do mundo. Minha própria experiência antes de meus estudos em Dalcroze atestam para esse formato de educação musical muitas vezes apenas técnico e mecânico.
Artes
“Eu gosto de alegria, porque é vida. Eu prego a alegria, porque ela apresenta o poder de criação de um trabalho útil e duradouro.” (tradução livre)
(E. J. Dalcroze – “Lecture at Leipzig – Dec 10, 1911”, in The Eurhythmics of Jaques-Dalcroze – 3rd Revised Edition – 1920)
Jaques-Dalcroze estava também intrigado pela falta de conexão entre os movimentos corporais e a música de alguns artistas e dançarinos de sua época. Sendo um artista completo, ele se interessava por outras áreas e pessoas como Isadora Duncan, Piet Mondrian, Adolphe Appia. Appia viu nas demonstrações públicas da nova “rítmica de Jaques-Dalcroze (…) o embrião vivo de uma arte dramática. Aqui a musica, sem isolar o corpo num esplendor ilusório (pelo menos durante a performance, e sem servi-lo), direciona a uma exterioridade em espaço à qual confere sobre si o primeiro lugar e a expressão cênica suprema, à qual todos os outros fatores estão subordinados (…) Beleza não é seu objetivo mas seu resultado”. (Spector , I – Rhythm and Life, The work of Emile Jaques-Dalcroze – tradução livre)
Fora todas as realizações musicais que uma pessoa pode obter durante o treinamento em Dalcroze (entendimento e experiência musicais profundos), um dos aspectos que freqüentemente vem à minha mente é a beleza artística das aulas.
A aula de Rítmica Dalcroze combina movimentos corporais, um grupo de pessoas dançando juntas, percepção aural e música, comunicação com os outros, uso de espaço de uma maneira criativa e plástica com formações e diferentes explorações pelos indivíduos e pelo grupo de pessoas e encanto visual. Freqüentemente, os professores pedem aos alunos para trabalharem em grupos e então, dividem a classe entre executantes e público, para que um grupo possa assistir ao outro. Esta experiência tem efeitos pedagógicos e comparativos: como os outros grupos resolveram o mesmo problema de maneiras diferentes; e também um efeito artístico: é como se estivéssemos assistindo a uma performance completa!
Tudo unido pelo elemento musical e suas qualidades de fluidez, na maneira como a musica viaja. (Alperson, R – “A Qualitative Study of Dalcroze Eurhythmics Classes for Adults” – 1995)