“Nenhuma arte é tão similar à vida quanto a música.
Pode-se falar que música é a própria vida.” (tradução livre)
E. Jaques-Dalcroze
(Spector , Irwin – Rhythm and Life, The work of Emile Jaques-Dalcroze, Dance and Music Series, n. 3 – Pendragon Press, Stuyvesant, NY, 1990)
1. Introdução: minha história pessoal
Eu descobri o método Dalcroze de educação musical quando conversava com uma amiga da faculdade de música da UNICAMP, no Brasil. Nós fazíamos parte de um sexteto vocal feminino e discutíamos como seria interessante um trabalho envolvendo música e movimento. Ela cursava Regência na época e disse que eu deveria investigar o suíço Dalcroze e seu método de ensinar música através dos movimentos corporais.
Aquela idéia me fascinou na hora. Eu havia feito cursos em educação musical, e alguns deles descreviam o uso de movimentos para algumas atividades, mas nada específico envolvendo os uso do corpo para entender música.
Eu comecei a pesquisar sobre o método na internet, porque no Brasil não haviam aulas de Dalcroze. Conforme eu lia e pesquisava, eu ficava mais e mais intrigada! Mas nas minhas leituras, eu não conseguia encontrar uma resposta totalmente satisfatória para o que era Dalcroze, afinal!
Nesse período, eu estava planejando vir aos Estados Unidos, para morar em Boston. Para minha surpresa, eu descobri que havia um programa de estudos em Dalcroze na Longy School of Music, em Cambridge, cidade vizinha a Boston. Uma vez instalada na cidade, participei de um workshop de uma tarde ministrado pela mestre Lisa Parker e, naquele momento, senti-me completamente “em casa” com os conceitos de educação musical aplicados por Dalcroze. Havia na parede uma figura da “Espiral de Aprendizado segundo Dalcroze” e tudo fez absoluto sentido para mim. Percebi que era muito difícil descrever o que é o método Dalcroze usando somente palavras. Na verdade, tudo é experiência, experiência corporal, experiência auditiva, experiência motora, e sobretudo, experiência musical. Era um maravilhoso mundo novo se abrindo diante dos meus olhos.
Eu sempre gostei de artes em geral. Fiz ballet dos 4 aos 8 anos de idade. Antes de completar 9 anos, decidi que queria aprender a tocar piano e meus pais me levaram ao Conservatório Musical da minha cidade, Rio Claro. Tive que parar com as aulas de ballet naquela época, mas eu sempre amei a dança e ao longo dos anos, sempre que possível freqüentava aulas diversas.
Estudei piano por 11 anos e também participei de grupos musicais. Cantava, tocava violão e teclado no grupo infantil da igreja Santa Cruz. Esta experiência me levou a dirigir um outro grupo infantil, no bairro Bom Sucesso, na periferia da cidade. Foi então que descobri a alegria de ensinar música para crianças. Algumas vezes, eu sentia que não estava exatamente “ensinando”, mas antes, proporcionando às crianças a oportunidade de explorar o que eles poderiam criar utilizando os instrumentos e a música.
Cursei Arquitetura e Urbanismo na USP, em São Carlos. Durante os anos de faculdade, posso dizer que meu amor pelas artes em geral foi bem alimentado. Todas as discussões em classe eram revigorantes: arte e história, teoria da arquitetura, design, escultura, pintura, cinema, cultura, paisagismo, uso artístico do espaço e, um dos meu tópicos favoritos – arte e sociedade, relações humanas com o espaço e em comunidades.
Uma das minhas citações favoritas, “Arquitetura é musica congelada”(Goethe) ressoou profundamente em mim na época. Com toda a minha história na musica, como isso poderia ser traduzido? Tentei responder tal questão no meu projeto de graduação. Era um palco móvel, construído sobre um reboque rodoviário que percorreria cidades trazendo performances musicais a praças e espaços públicos.
(Milene Corso-Zottarelli – Mobile Stage – Brazil – 1996)
O autor italiano Bruno Zevi, em seu livro Saber ver a Arquitetura, afirma que segundo Ernö Goldfinger, o arquiteto “projeta novos comportamentos antes mesmo de projetar novas formas de edificações” e que “a arquitetura é um sistema de gente, não um sistema de coisas”. Esta declaração me fez pensar em outros usos criativos para o espaço nas artes, como grupos de dança, corais e performances em geral; em como essas outras atividades são exploradas pelos artistas e em como isso afeta o público de uma maneira artística.
Nessa mesma época, comecei a fazer parte de um famoso grupo vocal em minha cidade natal, o Coral Jovem da Matriz de São João Batista. Foi então que descobri a alegria de cantar e mais importante, a alegria de cantar em grupo. Depois de receber o titulo de arquiteta, não tive problemas em voltar a estudar novamente, esta vez cursando o Bacharelado em Música Popular (Canto), na UNICAMP, em Campinas.
Em 1998, tornei-me Diretora Musical do Coral Jovem. Minha visão para o grupo era o de apresentar um repertório baseado principalmente em Musica Brasileira, usando elementos cênicos como formação de palco, agrupamentos, movimentos e uso de diferentes níveis de espaço enquanto cantávamos. Tenho a impressão que já estava tentando misturar alguns dos meus interesses prévios como o uso artístico do espaço, dança, musica e arte. Eventualmente, o coral mudou seu nome para “Madrigal CorDaVoz” (www.cordavoz.com), e ainda é um grupo ativo no cenário musical da cidade. Hoje em dia, além de ser a Diretora Musical, também participo como cantora, arranjadora e produtora para as apresentações.
(Madrigal CorDaVoz – Brazil – 2010)
Em toda a minha experiência com educação e direção, sempre senti o uso dos movimentos corporais como uma ferramenta importante de entendimento e de internalização dos conceitos musicais, mas nunca havia tido a oportunidade de analisar quão profunda essa experiência pode ser. Só depois de estudar e praticar o método Dalcroze é que comecei a ver onde essa abordagem de educação musical pode levar músicos e artistas em geral: a um completo entendimento de suas atividades, através da experiência, chegando aos conceitos e notações musicais. O exemplo perfeito de como a “Espiral do Aprendizado” se concretiza.